quinta-feira, 3 de março de 2011

Precisamos de Equilíbrio



Uma questão que constantemente tem me preocupado é a tendência da grande maioria das pessoas de aliar-se a uma ideologia extremada sobre algum tema.
Chamo de ideologia extremada, qualquer sistema de interpretação da realidade que se apóie em fundamentos que aqui apelidarei de “fundamentos egoístas” por terem a característica marcante de desconsiderarem qualquer outro tipo de raciocínio, que não os próprios de sua ideologia, em seu processo de formação.
Ao que me parece, o homem sempre anseia por bases sólidas que garantam tranquilidade (se não espiritual, ao menos racional) à sua consciência. E, na busca por essas bases, tende a assimilar e aceitar, de forma quase que completamente passiva, a teoria de mundo com a qual mais se identifica.
E o que ocorre quando, finalmente, o homem encontra e sedimenta bem essas bases? Duas consequências mais imediatas são: minimiza-se muito na pessoa aquela inquietação que havia por não possuir ainda nenhum referencial sólido que organizasse e norteasse o seu pensamento, o que é algo muito positivo, na verdade essencial para que o ser humano desenvolva plenamente a sua personalidade e “se encontre”; porém, pensando nessa característica positiva tão essencial para a “sobrevivência mental” do indivíduo, qual a primeira reação psicológica, a primeira ferramenta mental que busca a mente utilizar em seu constante processo de aprendizagem e aperfeiçoamento?
Visto que o processo de aprendizado da mente se dá através de um constante jogo de “tentativa e erro”, no qual os comportamentos, idéias e atitudes que mais obtém êxito são conservados, e os demais descartados, por uma questão de eficiência (ex.: não há necessidade de se tentar realizar uma atividade nova utilizando-se como base a mão esquerda, se a mão direita já detém muito mais prática e coordenação motora em atividades similares, por isso tendemos ao longo de nossas vidas a aprender cada vez mais novas tarefas com a mesma mão, por uma questão de praticidade e “economia mental”), a conseqüência disso tudo para a assimilação da nova e firme base que se constrói no indivíduo é que a mente, ao perceber a eficácia desta ideologia tende a preservá-la, num processo similar àquele de utilizar sempre aquilo que melhor funciona.
Porém, como uma ideologia representa não só uma idéia, mas um sistema completo de idéias, “preservar”, neste caso, significa conservar um conjunto inteiro de idéias e rejeitar todos os outros conjuntos de idéias (ideologias) em bloco. Ou seja, sem submeter mais ao processo de tentativa e erro as demais idéias existentes fora de sua nova ideologia, o cérebro humano inicia um processo deletério em massa de tudo aquilo que não se encaixe perfeitamente na ideologia. Resumindo: como, ao submeter e eleger uma ideologia, a mente não estava selecionando apenas uma nova idéia, mas um parâmetro, este parâmetro passa a integrar o próprio processo de seleção ao qual foi submetido e, a partir de então, a submeter as novas idéias aos seus próprios princípios.
É neste instante que, acredito eu, a mente comete um equívoco grave, do ponto de vista racional. Ao integrar uma ideologia ao seu próprio funcionamento, a mente elimina o principal elemento que permitiu o seu desenvolvimento até então: a inoquidade do raciocínio, ou seja, a estrita lógica como seu único referencial (não que alguma mente tenha a capacidade de possuir essas características de forma absoluta, pois apenas as possuirá em proximidade).
Digo isto porque percebo que infelizmente o apego demasiado a qualquer ideologia sacrifica o bom raciocínio e sua lógica. Isto porque, sem que se perceba, o antes trabalho mental de se testar as idéias, converte-se em um esforço mental empreendido na intenção de preservação da ideologia. Porque a mente, em seu constante objetivo de sobrevivência, passa a eleger como prioridade a proteção do atual e bem sucedido sistema de idéias para que não caia novamente no estado de inquietação e falta de referencial que lhe é tão prejudicial. Fazendo isso, porém, deixa de vislumbrar com visão ampla e aberta o infindável mundo de teorias diversas existente.
Percebo que as pessoas que passam a se apegar demais a uma única ideologia, categoricamente desconsiderando as demais, tendem a utilizar, no ataque a idéias opostas, argumentos que jamais configuram um sistema completo de antítese, e sim uma reunião de detalhes pontuais que é para elas suficiente para a negação de toda a ideologia oposta (OBS: e geralmente baseados na própria lógica que propõe a ideologia). Isso ocorre porque raramente realizam o seguinte auto-questionamento: “Se sou apenas um ser humano de capacidade limitada, em um universo aparentemente infinito, e nunca terei acesso a um entendimento completo e irrefutável da realidade. Partindo do princípio de que ambas as ideologias tem chances iguais de estarem corretas. Conhecendo a fundo ambas, e confrontando-as. Em que pontos divergem e como submeter as divergências ao julgo do raciocínio lógico não só de uma, mas de ambas, bem como ao do raciocínio lógico imparcial?”.
Percebe-se que é uma pergunta extensa, profunda, e cuja reposta não caberia sequer em um único livro. Isto porque não se trata realmente de uma pergunta, mas de um olhar racional e amplo, um comportamento a ser adotado diante das múltiplas versões da realidade que se apresentam e que, acredito, deveria ser assumido por todo aquele que se presta à árdua tarefa de buscar uma concepção da realidade.
Falando desse modo pareço estar fazendo uma clássica defesa do racionalismo científico contra os dogmas e fundamentos baseados na fé, das religiões. Mas creia, passa muito distante disso! É na verdade algo que, a grosso modo, consigo melhor definir como “Ideologia do Equilíbrio”. Ideologia pois trata-se também de um critério de análise de idéias, mas que se pretende não à exclusão mas à ponderação de idéias das várias ideologias. É portanto uma ideologia que não intenciona eliminar outras, mas sim “acoplar-se” a qualquer uma, com a intenção de somar em nossos filtros mentais um critério a mais: o “Equilíbrio”.
Por que digo “equilíbrio” ao invés de “imparcialidade”? Porque é simplesmente impossível ao ser humano ser completamente imparcial. Portanto, se desejamos alcançar um desenvolvimento intelectual tanto espiritual quanto racional em nossas vidas como indivíduos e como sociedade, precisamos aliar em nosso procedimento os dois elementos que compõem e impulsionam o pensamento humano: a Racionalidade e a Paixão (ou fé, no caso espiritual).
Para finalizar concluo: Sofremos (o que é natural) de uma profunda crise de extremos, não só no milenar (e em minha opinião desajeitado, mal pensado e desnecessário) confronto Ciência versus Religião, mas dentro das próprias ciências e das religiões, onde todas as ideologias se pretendem totalizantes e excludentes de todo e qualquer conhecimento diverso. Isso é resultado de um longo processo histórico de radicalismos e cujas divergências ideológicas foram imperativamente resolvidas na base da competição e violência, o que não cabe agora descrever. Ainda estamos em um período de transição para uma sociedade mais fundamentada no livre diálogo e comparação de idéias, mas, infelizmente, nossas ideologias ainda guardam grandes resíduos do modelo anterior. Não podemos raciocinar em um mundo globalizado e “democrático”, com as mesmas idéias e comportamentos que se aplicavam em épocas modernas e medievais. Possuímos hoje todo o potencial de desenvolvimento intelectual que poderíamos querer. A única coisa que nos impede de evoluir é nosso radicalismo, ou a falta de “bom senso”.

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