quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Algo sobre Você, O Mundo e A Cruz


Agora mesmo. Você está fazendo o que não deveria? Você está fugindo e deveria voltar? Você tem ódio? Tem uma série de sentimentos involuntários que não são exatamente a coisa mais linda que sua alma já produziu? Não devia, mas julgou? Não queria, mas falou? Não podia, mas estragou? Não sabia e perdeu? Não acredita, mas traiu? Não concorda, mas consentiu? Quer fazer o bem mas só consegue fazer o mal?

Pois bem.
Agora mesmo:

Enquanto você está sentado no centro dos seus erros e dos seus enganos e das suas faltas, existe uma constância te assistindo. Agora mesmo, enquanto todas as pessoas do universo têm uma palavra pra te falar mas nenhuma delas resolve alguma coisa, existe um silêncio mais presente que um milhão de livros de auto ajuda ou de canções bonitas. Agora mesmo, enquanto tudo nasce e morre e o mundo não respeita a sua dor porque o trabalho, a fome, a carência e a vaidade dos Homens são mais fortes do que tudo, existe uma outra força, que não precisa provar-se forte porque isso é coisa de fraco, segurando alguns alicerces para que o mundo não caia na sua cabeça. Agora mesmo, enquanto você cospe decepções e deixa escapar incompreensões e ninguém consegue entender o quanto isso é sério pra você, existe uma tensão positiva, que é Deus, ligado na tua dor e ao mesmo tempo ligado em virtudes que são exatamente o que falta no seu coração nesse exato momento. Agora mesmo, sem pressa, sem ultrapassar ou atrasar o momento que você está vivendo, agora mesmo, sem julgamento ou preconceito ou opinião ou desrespeito, um amor continua existindo, imóvel, permanente, contínuo, exposto, parado. Como se soubesse uma coisa que ninguém sabe. Como se não precisasse ir a lugar algum pra conhecer tudo o que você é. Dizem que isso é Deus. Uma força maior e mais absoluta que o oxigênio. Uma certeza simples de que tem algo além de nós.

Eu penso muito em Jesus na cruz. Não tanto na cena, mas no conteúdo espiritual do que isso representa na vida de uma pessoa. Tanto na pessoa de Deus, mais conhecido como Jesus, como em nós, pessoinhas confusas por ter muitas ou por não ter nenhuma causa. Gosto de pensar nisso da cruz porque acredito que as verdades mais absolutas estão resumidas nela. Em cada detalhe minúsculo de entrega e amor, porque a verdade resume-se à isso: amor e entrega. E também gosto de pensar nisso porque é um desafio pra toda alma vivente e inquieta, ter que se deparar com uma realidade tão absurda como a dele na cruz. Mas não tô falando da imagem manjada. Tô falando da atitude. Pensa nisso: Ele era o movimento entre as pessoas, o assunto nas ruas, as palavras simples em tempos de muitas questões e, ainda assim, ousou permitir-se morrer. Ousou não responder afrontas, ousou bastar-se e resumir-se à entrega. Jesus ofereceu-se para o que amava e ponto final. Nem perguntou se o amariam de volta. Não há nada tão poderoso quanto isso.

Eu e você vivemos num mundo que não pára, não ouve, não ama, não entende, não ajuda, não respira, não abraça, não espera, não respeita, não olha no olho, não é sincero. Já reparou como tudo é rápido e passa atropelando? Dias atrás uma das pessoas que eu mais amo sofreu uma perda irreparável. A palavra que resumiu o que eu sentia é curta e pesada: “dor”. O estranho é que enquanto ela sofria e eu partilhava dessa dor com ela, ela me disse que assistia um mundo indiferente à qualquer coisa que ela sentia. As pessoas do trabalho continuavam a ligar, os motoboys loucos continuavam costurando o trânsito, as rádios continuavam tocando música ruim, a poluição e a zona continuavam bombando porque o mundo não dá o menor sinal de respeito à nossa dor. O mundo não sabe lidar com a dor. A vida não erra, mas o mundo sempre borra, quebra, esbarra, trinca. O mundo sempre procura um jeito de estragar a delicadeza da vida.

Será que não é por isso que Jesus precisou ficar parado lá naquela cruz doída e doida? Será que não é por isso que essa cena chega a perturbar um pouco? Será que aquela exposição toda não significa alguma coisa? Será que o oba oba da ressurreição de domingo não seria mais sincero se nós parássemos alguns instantes pra entender o que aconteceu naquele sábado silencioso e morto?

A bíblia diz que as pessoas voltaram para casa. A bíblia diz que a coisa toda ficou muito estranha. E cada um de nós, se estivéssemos lá, não diríamos nada. Sentiríamos um grande vazio porque uma falta de Deus se espalhou pela Terra. Bom, a bíblia diz de uma forma simples e prática que o céu escureceu no meio do dia.

Então a cena é essa:
De um lado nós: pecadores meio perdidos, vivendo um dia escuro, procurando nosso próprio teto para esconder as vergonhas, as dúvidas e os medos. Pessoas boas tentando acertar, mas errando muito. Pessoas buscando por Deus, ou uma resposta, ou uma luz, mas o que rola é sempre essa sensação de que Deus está meio morto.

De outro lado, nós vemos Jesus. Um forte candidato a salvador, não fosse aquela cara cansada e aquele corpo fraco. Ele poderia ser a solução da sua vida, mas simplesmente ele não tem cara de solução, né? Ele poderia ser a sua escolha espiritual, mas ele simplesmente incomoda a sua visão com essa impotência, esses machucados, esse sangue e essa humanidade irritante que tudo ama, tudo aceita e nada interroga?

Veja, se você procura um Deus aparentemente limpinho, que entenda os teus erros e não os erros dos outros, que ame você com os seus defeitos, mas que não se relacione com pessoas que têm pecados “piores” do que os seus, então você não conhece Deus. Você conhece a lei dos Homens. Você pode estar procurando um pastor, um guru, um monge, uma reunião semanal, uma filosofia pronta, um livro, uma religião, um rito, e nesse caso, você não precisa muito de redenção. Talvez você precise só de distração e conteúdo intelectual.
Mas se você enxerga que ele foi incansável para aquela cruz, e a despeito de opiniões não estava nem aí para as aparências, então a verdadeira obra espiritual começou dentro de você, e a sua fé não é um slogan.

Jesus precisava frustrar a estética. Jesus precisava ficar feio. Jesus precisava sangrar, descabelar, trair os valores estipulados. Jesus precisava morrer de tanto amor, precisava ressuscitar de tanta saudade, mas por amor à nós, ainda que nós nunca entendamos isso, ele precisava ficar parado naquela cruz, ser a imagem que incomoda os apressados. Ser a figura que não desce na cruz, para todos aqueles que não conseguem não descer da cruz. Ele precisava ser a dor da entrega, para que os que nunca se abrem possam ter um exemplo de como é, e quem sabe, abrirem os braços para alguém. Jesus precisava passar um dia sem dizer nada, sem curar um cego, sem ter cara de Deus, porque nós precisamos de uma pista de que o espiritual e o humano podem andar juntos.

Então o texto termina com algumas perguntas: será que Jesus quieto não é exatamente a melhor forma que Deus encontrou pra nos dizer que enquanto todo mundo passa por cima das nossas dores, existe um que espera e nos assiste? Será que o sangue, o corte e o prego não servem para que você encontre um caminho para Deus todas as vezes que alguém pisar no seu calo, cortar seu coração e furar os planos que você tinha na palma das tuas mãos? Será que ele lá pendurado não é ele dizendo que é o único que entende esse seu cansaço, esse stress que doi até na pele? Será que a cruz não precisa ser reaproveitada conceitualmente ao invés de ser usada como um logotipo cafona da fé cristã?

Ele na cruz não é referência ao passado. É a pista de como seria mais fácil dali pra frente. A cruz que eu tô falando não deveria ser interpretada como a escultura pregada nas paredes, porque esculturas juntam pó, mas as nossas questões são todas frescas. As dores e perdas estão todas quentes, a vida está acontecendo nesse exato momento, e se o mundo não respeita isso, você precisa entender que existe um Deus que sabe dar exemplos claros, fáceis e lindos, de que ele sabe esperar e melhor ainda: ele já sentiu a sua dor.

Se a sua dor de hoje precisa de um tempo pra sarar, então ele espera. E se os seus sustos precisam de companhia, então ele não vai ousar descer da cruz, não vai te abandonar. E se o mundo foi bem nojento com você e cuspiu na sua cara e te traiu e te feriu, ele é o único capaz de entender isso plenamente. Ele também foi. Ele também já ficou imóvel diante do medo. Ele já se sentiu preso. Ele já se sentiu imóvel. Mas o segredo de tudo isso, é que ele fez isso porque ele quis. Ele não precisava conhecer a tua dor na profundidade, mas ele quis conhecer. Então quando você precisar de um exemplo ou parâmetro pra sua vida, olhe para a cruz. Não para as esculturas, para a cruz. Não para a coisa carregada, que mete medo, não. A cruz! O significado verdadeiro dela, não é visível, não está nas tatuagens nem nos colarzinhos, nem mesmo nesse texto, porque ela é mais do que isso. Ela é complexa e ao mesmo tempo fácil. Como o amor, como nós.

Agora mesmo, você tá afim de mudança? Deus está esperando. E agora mesmo, apesar de todos os seus erros e toda escuridão e todo mundo voltando pra casa, e apesar de você saber que amanhã a vida ressucita e a alegria volta, mas se hoje você precisar de um Deus ao seu lado, entendendo a sua dor por exeperiência própria e não por discursos religiosos, então olhe para a cruz de novo, demore-se lá até entender que, se for importante para a sua dor, ele vai ficar ali, bem parado, sentindo o mesmo que você. Podendo não ficar, mas amando cada segundo que é estar do seu lado. Hoje, Deus não vai a lugar algum. E essa é a verdadeira tradução do que é sentir a presença dele enquanto você chora.

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